Quem pode ser responsabilizado por crime tributário no âmbito empresarial?
- Aline Becker de Castro
- 2 de nov. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de jul. de 2023

Em muitas casos o crime é cometido por meio de pessoa jurídica, mas não é possível penalizá-las em razão desses crimes. A única hipótese de responsabilização penal da pessoa jurídica se dá em relação aos crimes ambientais.
Portanto, a responsabilidade penal somente pode ser atribuída à pessoa física, que ao integrar a pessoa jurídica, personifica as decisões empresariais. Nesse contexto, os crimes tributários cometidos no âmbito da pessoa jurídica não devem ficar isentos de censura penal, até porque a personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução (RHC 77.055/PE, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 01/02/2017).
Tratando-se de crime tributário no âmbito empresarial, a autoria do crime deve ser atribuída à pessoa que exerce a gestão empresarial, ou seja, quem detém o poder de comando, de decidir sobre a prática ou não da conduta delituosa. A imputação ao administrador está prevista na Lei nº 8.137/90:
Art. 11: Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Para chegar a autoria do crime, e penalizar as pessoas responsáveis por eventuais fraudes cometidas no âmbito empresarial, são analisados indícios e dados formais como o contrato ou estatuto, que revelam quem era o administrador, o presidente, ou o diretor. A partir destes indícios é possível visualizar quem, aparentemente, tem o poder de comando na empresa.
Observe que há um destaque na palavra “aparentemente” isso porque esse tipo de indício tem que ser corroborado por outras provas, uma vez que ninguém pode ser condenado somente por figurar como diretor ou administrador da empresa. Para uma condenação é necessário que a acusação prove que a pessoa tinha poderes de gerência.
Para elucidar o tema, iremos exemplificar a questão com a análise de um caso hipotético.
Tiago e Lucas são sócios da Metalúrgica TL LTDA., embora possuam a mesma participação na sociedade, os sócios exercem funções diferentes na empresa. Tiago é o responsável por administrar e gerir a linha produtiva da metalúrgica, supervisionando os funcionários. Por sua vez, Lucas é responsável por administrar a parte financeira e contábil da empresa. Para facilitar a rotina empresarial, Tiago outorgou procuração a Lucas dando poderes típicos da administração empresarial, como os relacionados à gestão de recursos humanos, representação judicial e perante a Receita Federal. Em 2015 a Metalúrgica TL sofreu auditoria realizada pela Receita Federal, a qual constatou, por meio da análise de débitos declarados em DCTFs e DIRFs, irregularidades no lançamento do IPI devido em diversas transações. A fiscalização resultou em representação fiscal para fins penais, que por sua vez deu origem a um processo criminal contra Tiago e Lucas.
A acusação é exercida pelo Ministério Público, que é o titular da ação penal, assim, dentro do processo, o Ministério Público poderá utilizar diversas provas visando a confirmação da sua tese acusatória. No caso hipotético a condenação de Tiago e Lucas só será possível se, ao final do processo, ficar constatado que ambos tinham interferência na gestão contábil.
Imagine que durante a audiência designada para ouvir as testemunhas e interrogar os réus, ficou constatado que Tiago não possuía qualquer conhecimento da gestão financeira, uma vez que os funcionários da empresa afirmaram que Tiago trabalha exclusivamente na linha produtiva, sem interferir nos assuntos do escritório. No mesmo sentido foi o relato de Lucas, que assumiu que faz toda a parte do escritório sozinho, contando com a ajuda de funcionários.
Ao final do processo o próprio Ministério Público, analisando a procuração que deu poderes a Lucas, o depoimento das testemunhas e o interrogatório dos réus, concluiu que embora Tiago seja sócio da Metalúrgica TL, ele não possuía poderes de gerencia na parte contábil, sendo responsabilidade apenas do sócio Lucas. Deste modo, concluiu pela impossibilidade de condenar Tiago pelo crime tributário.
O caso da Metalúrgica TL é um caso clássico de análise da responsabilidade subjetiva dos sócios. Figurar formalmente no estatuto/contrato social como administrador ou gerente constitui mero indício de que o sujeito exerce essa função, isso não conduz à imediata conclusão de que o agente tem poder de gerência e é o responsável pelo ato ilícito. É preciso que no curso da ação penal seja provada a condição de administrador ligado diretamente as decisões que ocasionaram a supressão do tributo.
Todo o conjunto probatório serve para que o juiz forme o convencimento sobre quem detinha o poder de comando, ou o domínio do fato e realmente participou da tomada de decisão que resultou no crime tributário.
Importante lembrar que há casos em que a pessoa responsável pelo delito sequer consta no quadro societário, um exemplo é o contador, você pode saber mais sobre esse assunto clicando aqui.
Logo, o simples fato da pessoa constar no quadro societário não é suficiente para puni-lo. Portanto, ao se deparar com situação semelhante é necessário recorrer ao auxílio de defesa técnica, exercida por advogado criminalista.
Espero que esse conteúdo tenha te ajudado de alguma forma. Se quiser esclarecer alguma dúvida, ou continuar falando sobre o assunto, estou disponível no instagram @alineebeckerr e no e-mail alineebeckerr@hotmail.com.
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